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Lula e Biden, um diálogo necessário

 20/02/2023

Lier Pires Ferreira
PhD em Direito. Professor do Ibmec. Pesquisador do Lepdesp e do NuBrics

Após assumir seu terceiro mandato, fato inédito na política nacional, a primeira viagem internacional de Lula teve a Argentina como destino, seguindo-se uma visita ao Uruguai. Qual o significado político deste pequeno périplo sul-americano? Em franca oposição à política externa do governo Bolsonaro, Lula deseja sublinhar a centralidade do Mercosul e da própria América Latina para sua “velha-nova” política exterior. Mas nem só da América do Sul vive o Brasil. Neste sentido, o destino subsequente foram os EUA.

O presidente brasileiro foi recebido em Washington no início de fevereiro. Tratou-se essencialmente de uma visita de cortesia, sem a longa preparação prévia que antecede as reuniões oficiais de Estado. Inobstante, mesmo este pequeno gesto é suficientemente forte para mostrar a importância da relação entre EUA e Brasil. Em seus aspectos gerais, o encontro de Lula com Joe Biden teve três pontos principais: meio ambiente, direitos humanos e democracia.

A questão ambiental tem sido um tema sensível na agenda externa brasileira pelo menos desde que o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, resolveu “passar a boiada” e franquear reservas ambientais e indígenas para toda sorte de aventureiros, de ruralistas a garimpeiros ilegais, passando por madeireiros e caçadores irregulares, bem como falsos cientistas e missionários, que, na verdade, são “piratas” em busca de nossa biodiversidade. Como resultado, o Brasil perdeu investimentos europeus e norte-americanos, sendo, também, sancionado em parte de suas exportações de commodities.

Nesta visita, há dois pontos a serem destacados. Primeiro, as conversas de Marina Silva com as fundações privadas comandadas por Jeff Bezos e Leonardo Di Caprio. Embora não haja valores declarados, a mobilização em torno dessas duas fundações serão certamente suficientes para impulsionar a operação brasileira de recuperação de áreas degradadas pelo garimpo. O segundo ponto é o compromisso de Biden de juntar-se ao fundo amazônico, do qual o principal financiador é a Noruega. Embora o aporte inicial sugerido seja pequeno, algo em torno de US$50 milhões, o simples fato dos EUA adentrarem em um fundo cujas regras não foram determinadas por eles, se de fato for efetivado, será um avanço extraordinário.

Mas é certo que a agenda ambiental não teve cunho meramente político-programático, com meras sinalizações de auxílio futuro. Nas conversas privadas, seguramente houve muito de economia também, com particular destaque à questão energética. No momento em que o mundo caminha para substituir combustíveis fósseis por energia verde, renovável, questões como energia eólica e hidrogénio verde ganham particular destaque, assim como também outras fontes renováveis, como o Biodiesel, o Etanol e o Gás Natural, um dos focos da relação entre Brasil e Argentina, em razão das imensas reservas gasíferas de Vaca Muerta, Santa Fé, estimadas entre as maiores do mundo contemporâneo, se não for a maior.

Além disso, certamente houve discussões no que tange à integração das cadeias produtivas, tanto de energia quanto de outros setores, em particular pelo fato de que os EUA ainda importam significativa parcela da produção industrial brasileira, diferente do que ocorre com a China, nosso maior parceiro comercial, mas que adquire essencialmente produtos primários ou de baixo valor agregado. Enfim, se itens como a soberania brasileira sobre o seu território amazônico e as estratégias nacionais para a exploração sustentável da biodiversidade local ainda geram pontos de atritos entre Brasília e Washington, é certo que a visita de Lula aos EUA destravou o diálogo e apontou para uma agenda positiva, com interesses em comum.

Outra tema da visita do presidente brasileiro aos EUA foi a questão dos Direitos Humanos. Aqui, o diálogo é plural, tendo diferentes pontos que não estão necessariamente interligados. Todavia, neste momento, o primeiro tópico da agenda bilateral humanitária é a questão indígena. Há interesses comuns em uma política para os povos indígenas, tema particularmente sensível pelo genocífio yanomami estimulado pelo governo Bolsonaro.
Mas há outras questões importantes aqui, como as relações étnico-raciais. Neste campo, a retomada do acordo JAPER (Ação Conjunta para Eliminação da Discriminação Étnico-Racial), inicialmente firmado em 2008 e desmobilizado no governo Bolsonaro é uma conquista a ser celebrada.

Do mesmo modo, desde o contato inicial com Biden, por sinal um contato longo, de aproximadamente 10 minutos, quando o protocolo gira em torno de 2 ou 3 minutos para as fotos dos jornalistas, o combate à pobreza, com ênfase em políticas domésticas e internacionais de combate à fome e à desnutriçao, teve um papel importante. Desde a campanha Lula tem batido sistematicamente neste tema e, como o Brasil assumirá em dezembro a presidência rotativa do G-20, cabe, desde já, alinhar o tema com potenciais investidores e financiadores de políticas públicas.

Mas se até aqui os interesses entre Brasília e Washington são convergentes, há inúmeros pontos de tensão que irão permanecer. O primeiro deles, hoje, é a guerra russo-ucraniana. A diplomacia estadunidense busca novos adeptos para sua condenação à Rússia pelo conflito no Leste Europeu. Lula, ao contrário, se por um lado reconhece que a invasão ao território ucraniano corresponde a uma violação ao Direito Internacional, por outro deseja sobretudo manter o Brasil política e militarmente fora do conflito, conquanto contribuindo para os esforços internacionais de paz ou, ao menos, por um cessar-fogo eficaz. Além disso, Brasil e Rússia são parceiros no BRICS e não cabe à Brasília tensionar as relações com Moscou somente para agradar aos EUA.

A América Latina também é um pólo de divergências entre Brasil e EUA. Temas como as situações políticas em Cuba e na Venezuela, duas ditaduras travestidas de democracias populares, não serão equacionadas no curto prazo, se é que serão. Além disso, o Brasil tem estabelecido relações cada vez mais próximas com a China, dentro e fora dos BRICS, o que desagrada a Washington, não apenas pela Guerra Fria 5G travada com Pequim, mas, essencialmente, pelo fato da China ser a potência desafiante à hegemonia estadunidense no tabuleiro geopolítico global. Enfim, esses e outros temas sensíveis da agenda internacional, como multilateralismo, governança global e outros fizeram parte do diálogo entre Brasil e EUA. Se não houve consensos e avanços nestes campos, é certo que a mera abertura do diálogo de alto nível foi essencial.

Por fim, houve a questão da democracia. Essa foi, com certeza, a questão mais importante da agenda. Digo isso pois, na verdade, esse deveria ser um “não tema”, considerando que tanto Estados Unidos quanto Brasil são países democráticos. Mas não é assim. Alguns dias antes da viagem a Washington, um “briefing” divulgado para a imprensa pelo Itamaraty caracterizou a viagem de Lula aos Estados Unidos como um “reset” na relação entre os dois países. Como assim? Um “reset”, um recomeço? Isso faz sentido?

Sim. Após os tsunamis representados pelas gestões Trump, nos EUA, e Bolsonaro, no Brasil, o Itamaraty tem razão. Por que? As passagens de Trump e Bolsonaro pelas respectivas presidências dos países deixou um legado golpista, cujas maiores expressões são a invasão do capitólio, em 06/01/2020, em Washington/DC, e por aquilo que venho denominando de “Capitólio Candango”, ou seja, o “nosso” 08 de janeiro, em Brasília.

É importante deixar claro que nem todo trumpista e que nem todo bolsonarista é um golpista em potencial. Claro que não é isso. Essa polarização tosca não leva a nada… mas é inequívoco que tanto o trumpismo quanto o bolsonarismo têm um DNA fascistóide, antidemocrático e antiliberal, avesso à Educação, às artes e às ciências. Apenas a título de exemplo, para que possamos entender a gravidade dos ataques perpetrados em Washington e Brasília, respectivamente, é importante lembrar que o Capitólio, sede do Poder Executivo nos Estados Unidos, só havia sido atacado uma única vez na história, numa guerra com a Inglaterra no início do século XIX, mais precisamente em 1814, quando os ingleses ainda tentavam de alguma forma retaliar os EUA em função da declaração de independência, de 1776.

No caso brasileiro, a sede do Executivo, bem como as sedes dos demais poderes ou funções do Estado, a saber, o Legislativo e o Judiciário, jamais haviam sido atacadas, nem pelas guerrilhas armadas dos anos 1960 e 1970, nem pelos inúmeros golpes militares tentados ou consumados que tivemos no país desde o século XIX.
Além disso, ambos os presidentes, Biden e Lula, foram vítimas de campanhas de deslegitimação de seus mandatos; campanhas estas planejadas, financiadas e executadas por atores ainda relativamente ocultos, que não possuem limites em sua sede de poder e nem respeitam as regras do jogo democrático, que, por sua natureza, exigem a rotação no exercício do poder. O peso da questão democrática na agenda é particularmente percebido pela presença da primeira-dama, Janja, que teria tido inclusive uma agenda própria com Jill Biden, a primeira-dama dos EUA, caso esta não tivesse tido uma indisposição de saúde. Além disso, ministras como Marina Silva (meio ambiente), Anielle Franco (igualdade racial) e Jacques Wagner, líder do governo no Senado, mostram o peso da democracia no presente encontro entre os dois gigantes americanos.

No mais, o encontro de Lula com o senador democrata Bernie Sanders, talvez o principal nome da esquerda estadunidense, bem como outros congressistas e mesmo com sindicalistas (Federação Americana de Trabalho e Congresso de Organizações Industriais), evidencia que nessa viagem aos EUA Lula deve reforçar o compromisso democrático brasileiro no contexto hemisférico e mundial, bem como dar azo à sua já tradicional diplomacia presidencial, fixando vínculos pessoais com líderes estadunidenses como Biden e Sanders, assim como fez no passado com Bush e Obama.

Na sequência da visita aos EUA, Lula deverá estar na China, mas esse evento, certamente, é papo para um outro artigo. Por hora, nos cabe celebrar que, progressivamente, o Brasil retorna aos foros internacionais com credibilidade e respeitabilidade, ciente de que tem um papel relevante na governança global e, principalmente, nos destinos da América Latina.




 







A notícia em Primeiro Lugar

Uma publicação do
Instituto Nonato Santos e
VND - Comunicação

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