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20 anos da invasão do Iraque


Lier Pires Ferreira
PhD em Direito. Professor Titular do Ibmec e do CP2. Pesquisador do Lepdesp/Uerj e do NuBrics/Uff

Recentemente, o Tribunal Penal Internacional (TPI) expediu ordem de prisão contra o Vladimir Putin, por crimes de guerra no contexto do conflito russo-ucraniano. Imediatamente, vários órgãos de imprensa, cujos cofres são abastecidos por anunciantes euro-estadunidenses, repercutiram a notícia, apontando a possibilidade próxima-futura da prisão de Putin. Não é bem assim.

O sátiro brasileiro, Juca Chaves, recém falecido, já dizia que, “no Brasil, a imprensa é muito séria. Se você pagar, eles publicam até a verdade”. Pois bem! Não há dúvidas de que crimes de guerra estão sendo cometidos pelas forças russas na Ucrânia. Há relatórios da ONU comprovando essa acusação, embora estes mesmos relatórios apontem que as forças ucranianas também cometem tais crimes, embora em escala menor. De todo modo, os esforços euro-estadunidenses para transformar Putin em um pária internacional merecem um contraponto. Este é o propósito do presente artigo, que relembra os 20 anos da invasão do Iraque pelo consórcio militar-extrativista anglo-americano. O ponto alto desta invasão foi o julgamento e posterior execução de Saddam Hussein, ex-líder iraquiano.

O julgamento de Saddam Hussein é parte de um momento histórico no qual se acreditava viver um Pax Americana, isto é, uma única superpotência com capacidade de ação global e que seria a responsável pela paz, segurança e estabilidade das relações internacionais. A sentença de morte por enforcamento, executada no dia 30/12/2006, foi o capítulo final de uma longa agonia cujo primeiro grande ato foi a I Guerra do Golfo Pérsico, entre 1990 e 1991. Neste conflito, Saddam Hussein, antigo aliado preferencial dos Estados Unidos nos anos 1980, já havia se convertido em uma espécie de inimigo público número 01 da “América” no Oriente Médio, sem prejuízo, claro, dos aiatolás iranianos.

Mas o fim da guerra, em 1991, não fez cessar a sana persecutória em relação à Saddam. As tensões entre EUA e Iraque perduram até que, em 2003, os EUA e seus aliados, com particular destaque para a Inglaterra, invadiram o Iraque sob a alegação de que o país mantinha um arsenal secreto e ilegal de armas químicas suficientemente poderosas para abalar a paz mundial. Conquanto a alegação fosse manifestamente falsa, como restou comprovado por técnicos vinculados às Nações Unidas, os interesses estratégicos sobre as vastas jazidas petrolíferas iraquianas prevaleceram sobre o Direito Internacional. Inúmeros crimes de guerra foram cometidos pelos invasores. A democracia prometida (sim, prometeram democratizar o país) foi quimera. Pouco disso foi problematizado pela imprensa. Nenhuma liderança ocidental foi responsabilizada. Não houve ordem de prisão do TPI…

A pena capital foi imposta pelo Alto Tribunal Penal Iraquiano e aplicado simbolicamente no primeiro dia do perdão e da clemência do calendário muçulmano. Todo processo foi eivado de vícios graves, que, em uma situação regular de direito, levariam à anulação do julgamento. Desde os primeiros momentos, houve flagrante violação do devido processo legal, com cerceamento de defesa e tipificação forçada de crimes. Há que se registrar que os graves vícios processuais cometidos pela acusação e pelo próprio tribunal não implicam na afirmação de que Saddam era inocente, mas ressaltam que o direito penal jamais pode ser utilizado como meio de persecução política. Apenas a título de exemplo, três advogados de Saddam foram assassinados no curso do processo. Além disso, as violações aos direitos dos prisioneiros – Saddam Hussein adiante - na prisão de Abu Ghraib se tornaram um símbolo da farsa encenada em Bagdá.

Outro aspecto importante foi a espetacularização do julgamento. Na verdade, desde a identificação de Hussein em um buraco, sujo, ferido e desfigurado, tudo remeteu a um show de horrores. A TV iraquiana, à exemplo das grandes redes internacionais, replicaram todas as etapas do processo, produzindo forte impacto na opinião pública, em grande parte induzida a ver Saddam como um líder sanguinário, que ameaçava a paz mundial.

Bem, Saddam não era santo e, como Putin, hoje, certamente cometeu muitos e graves crimes ao longo do seu mandato. Isso é inegável! Mas nada justifica a instrumentalização política do Direito, fato assaz conhecido pelos brasileiros em função dos equívocos da Lava-Jato. Por isso, inúmeros juristas e analistas internacionais, aos quais se somaram organizações humanitárias como o Human Rights Watch, condenaram o julgamento. No mérito, o caráter de exceção posto em marcha por autoridades iraquianas irmanadas com Washington prestou um grande desserviço à causa dos Direitos Humanos e da própria Justiça. Perdeu-se, mais uma vez, a chance de se conhecer a verdade sobre um dos mais importantes períodos da história do Iraque, e da própria sociedade internacional.

A morte de Saddam operou também como uma grande queima de arquivo, tanto dos crimes efetivamente por ele cometidos, como, também, daqueles muitos e graves perpetrados no âmbito da Guerra do Golfo pelas tropas invasoras. Além disso, teria o condão de lançar luzes sobre a conduta das agências de inteligência ocidentais no Oriente Médio, CIA adiante, bem como sobre a atuação de grupos empresariais mercenários que atuaram no contexto da guerra, principalmente a partir de 2003.

Enfim, um julgamento regular teria sido uma grande contribuição para o estabelecimento de uma efetiva Justiça. O Alto Tribunal Penal Iraquiano perdeu a chance de honrar a Idade de Ouro Islâmica, quando os tribunais abássidas eram referência para a justa aplicação do Direito. Além disso, permitiria ao mundo acreditar que o julgamento de ditadores e seus asseclas pode ser mais do que um espetáculo jusmidiático, onde os vencedores do presente julgam aqueles que outrora ostentam posições de poder. Em outras palavras, que tais tribunais - domésticos ou internacionais - podem ser muito mais do que tribunais de exceção, nos quais é aplicada a “justiça do vencedor”, ou seja, daquele que, em sua própria visão, tem o domínio de todos como “direito” ou “destino manifesto”.




 







A notícia em Primeiro Lugar

Uma publicação do
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