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A Monarquia Britânica: a coroação de Charles III e os desafios de seu reinado

29/05/2023
Lier Pires Ferreira
PhD em Direito. Professor Titular do Ibmec e CP2. Pesquisador do LEPDESP/IESP-UERJ e do NUBRICS/UFF.

Maio de 2023 marcou a coroação de Charles III como monarca da Inglaterra e de seus diferentes satélites, genericamente compostos pelo Reino Unido e por países da Commonwealth. Desde 1689, por ocasião da Revolução Gloriosa, a Inglaterra é uma monarquia constitucional, ou seja, na qual o rei reina, mas não governa. O escopo principal do poder inglês gira em torno do Reino Unidos e seus 14 territórios ultramarinos, dentre estes estão as Ilhas Cayman, paraíso fiscal situado no Caribe, e as Falklands, também conhecidas como Malvinas, pelos argentinos.

Desde a morte de sua mãe, Elizabeth II, em setembro de 2022, Charles III reina sobre o Reino Unido. Logo, a coroação a que assistimos tem caráter simbólico, não sendo uma pré-condição para a ascensão ao trono. Na verdade, o Reino Unido segue a máxima romana “Rex nunquam moritur”, que significa “o rei nunca morre”. Outra curiosidade é que os monarcas britânicos são os únicos a serem coroados na Europa, onde ainda existem mais de 10 outros Estados Monárquicos. Desta forma, em seu rito de coração, Charles III foi reconhecido, jurado, ungido, coroado, entronizado e, por fim, recebeu o voto de lealdade dos seus súditos.

Em minha visão, o momento mais emblemático dessa sequência é a unção. Charles III será ungido com um óleo consagrado em Jerusalém, seguindo a lógica do Antigo Testamento, segundo a qual Salomão, o escolhido de Deus para governar seu povo, foi ungido por Zadoque, o Sacerdote, e por Natã, o Profeta. Assim, a coroação é um ato ao mesmo tempo jurídico, político e religioso, cabendo lembrar que desde o século XVI, quando a Reforma Anglicana por Henrique VIII, o monarca inglês também é o chefe da Igreja Anglicana, a Igreja oficial do Reino Unido. Deste modo, assim como o Vaticano, podemos afirmar que a Inglaterra é um Estado Teocrático, embora haja efetiva liberdade de culto entre os cidadãos. Vale lembrar, inclusive, o Decreto de Estabelecimento, de 1701, que, no mérito, impede que católicos ascendam ao trono britânico.

Também é importante lembrar que esta coroação não foi igual a todas as outras. Quando sua mãe, Elizabeth II (reinou entre 1952-2022) subiu ao trono, o mundo havia saído a pouco da II Guerra Mundial e o rádio ainda era o principal veículo de comunicação de massas, embora a TV já existisse e tenha transmitido a coroação. Além disso, a Inglaterra ainda tinha a aura de uma grande potência imperial (embora já não o fosse) e a monarquia tinha um prestígio maior do que tem hoje. Por isso, enquanto Elizabeth II recebeu 8 mil convidados oficiais para sua coroação, Charles terceiro recebeu pouco mais de 2 mil, numa tentativa de evitar um glamour incompatível com a atual dimensão da crise socioeconômica que abala a Inglaterra.

Alçado ao trono, Charles III terá que enfrentar diferentes desafios. O primeiro desafio de Charles III, já com quase 75 anos, o mais velho monarca a assumir o trono, é substituir a rainha Elizabeth II, que foi uma rainha “forte, longeva, e carismática”, sendo quase um ícone “pop”. Outra questão importante é encontrar um lugar confortável para a riquíssima Casa de Windsor em meio à pior crise econômica no Reino Unido em 40 anos, bem como dos movimentos separatistas da Escócia e da Irlanda do Norte.

Mas há muitos outros percalços no caminho. Um dos mais imediatos é a publicação do livro de memórias do príncipe Harry, seu filho mais novo, que promete relatar de modo “íntimo e sincero" sua experiência como membro da família real. Outro desafio é lidar com os escândalos sexuais que se abateram sobre o príncipe Andrew, 63, duque de York e irmão de Charles III, acusado de assédio sexual em face de uma jovem menor de idade supostamente aliciada por uma rede de prostituição. O caso foi judicializado e encerrado mediante o pagamento de uma indenização estimada em 7 milhões de libras esterlinas. Além disso, ele enfrenta a onda republicana. Hoje, apenas 58% dos britânicos efetivamente preferem a monarquia, contra 26% que se dizem republicanos. Mas o dado mais preocupante está entre os jovens. 38% se dizem republicanos, o que lança desafios ao reinado de Charles III, que, conforme creio, deverá ser um reinado de transição. Outro fator foi a longa agonia de sua relação com a Lady Di, amada pelos britânicos e que penou com o distanciamento emocional e as traições do então príncipe com sua eterna amante, Camilla Parker Bowles.

O fator Camilla será sempre uma pedra no sapato do novo monarca. Apontada como a grande responsável pela infelicidade da emblemática Diana Spencer, a Lady Di, a primeira mulher do hoje rei Charles III, e gozando de baixíssima popularidade, Camila foi coroada rainha mesmo sendo uma mulher divorciada, uma novidade na família imperial britânica. Por isso, na cerimônia, Camilla esteve discretíssima. De todo modo, sua coração é um sinal da renovação da monarquia. Há menos de um século, período relativamente curto para uma monarquia já milenar, o rei Eduardo VIII, tio-avô de Charles III, teve que abdicar do trono para se casar com a mulher que amava, a divorciada estadunidense Wallis Simpson.

Outro desafio de grande monta é Meghan Markle. Se Camila impacta pela presença, a Meghan marcou sua importância pela ausência. Embora convidada, a nora do rei Charles III, por ele conduzida ao altar em 2018, rompeu com a família real, denunciando, inclusive, práticas de assédio moral e racismo no palácio de Buckingham, indo, portanto, morar com o príncipe Harry no Canadá. Assim, Meghan uma atriz que foi um sopro multicultural e pluriétnico na família real britânica, posto que, além de estadunidense, é mestiça, parece, hoje, um símbolo do conservadorismo britânico, quiçá inábil para lidar com os desafios inerentes ao século XXI, no qual diversidade e identidades são elementos basilares.

Uma ausência notável em boa parte das análises sobre a coroação diz respeito à herança colonial britânica. Entre os séculos XVII e XX, a Inglaterra constitui o maior império da história da humanidade em terras descontínuas, sendo o império onde o sol nunca se punha. Esse legado, contudo, é banhado em sangue, violência, destruição e atrocidades, nas quais negros, indígenas, asiáticos e outros povos foram dominados, aculturados, violentados e assassinados, sem que, até o presente, haja sequer um mea culpa do país. Será Charles III capaz de realizar este ato de contrição e penitência, reconhecendo que a grandeza do império britânico se fez, também, com a flagelação de inúmeros povos e sociedades? Parece difícil…

De todo modo, se o reinado de Charles III tem desafios; não se pode olvidar que o novo monarca também tem seus trunfos. Em primeiro lugar, ele é o legítimo herdeiro de uma longa casa imperial, cuja legitimidade é inquestionável, em que pese os antagonismos que lhe são crescentes. A monarquia britânica remonta suas origens ao século X, aproximadamente, quando pequenos reinos anglo-escoceses deram origem à Inglaterra e à Escócia. Em 1603, quando Jaime VI da Escócia assumiu o trono inglês como Jaime I, Inglaterra e Escócia passaram a ter o mesmo monarca. A união formal entre os dois reinos, contudo, só ocorreu em 1707, dando origem à Grã-Bretanha, ao qual o reino da Irlanda se uniu em 1801, ou seja, já no início do século XIX. Uma curiosidade da qual poucos se recordam é que a Inglaterra foi uma república entre 1649 e 1660, particularmente sob o protetorado de Oliver Cromwell. Outra questão curiosa é que a casa de Windsor é, sob certos aspectos, uma dinastia artificial. Sabe por quê? Bem, a atual casa real britânica é um ramo da dinastia germânica de Saxe-Coburgo-Gota, que é derivada da Casa de Wettin, sucessora da Casa de Hanôver. Na I Guerra Mundial, quando as raízes germânicas da monarquia britânica se tornaram inconvenientes, foi criada uma nova dinastia imperial.

Um segundo trunfo é que Charles III tem fama de competente gestor, tendo ampliado sua fortuna pessoal e familiar nos múltiplos empreendimentos que comandou como príncipe de Gales. Terceiro, tem longa e coerente militância ambiental e humanitária. Sua militância na questão ambiental vem dos anos 1980, quando apontou o genocídio ianomâmi, iniciou a produção de produtos orgânicos em suas propriedades e apontou para a necessidade de reocupar as cidades do interior da Inglaterra. Essa militância ambiental, também garantiu, em conversas privadas com o presidente Lula, que esteve em Londres para a coroação, uma dotação de aproximadamente R$500 milhões para o fundo amazônico.

O novo monarca também tem posições relativamente avançadas em temas espinhosos como as causas humanitárias. Por exemplo, é cediço que, em foro privado, posto que não pode manifestar-se publicamente na condição de monarca, Charles III manifestou franca contrariedade contra a remoção compulsória de imigrantes do Reino Unido, dentre muitas outras questões, materializadas em reiteradas visitas à países da África, Ásia e América Latina. Assim, em que pese sua idade avançada para os padrões da monarquia britânica, Charles III é um homem contemporâneo, cuja trajetória reflete as contradições e dilemas que frequentemente marcam a vida de quaisquer pessoas. Enfim, em que pese os desafios, há franca expectativa de um bom e curto reinado para Charles III. Ele deverá fazer um reinado de transição, preparando o terreno para o príncipe William, seu primogênito e sucessor.

 




 







A notícia em Primeiro Lugar

Uma publicação do
Instituto Nonato Santos e
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