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É necessário democratizar as Forças Armadas

Lier Pires Ferreira
PhD em Direito. Pesquisador do LEPDESP/UER e do NuBRICS/UFF

 Há alguns dias, o líder do grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin, surpreendeu o mundo ao quebrar a hierarquia e a disciplina da cadeia de comando militar russa e marchar com milhares de mercenários contra Moscou. Não está claro o quanto a rebelião, supreendentemente controlada em 24 horas, afeta o Kremlin e desafia o poder de Vladimir Putin. Entretanto, é certo que militares golpistas são uma ameaça a qualquer regime político, na Rússia ou no Brasil.

Um certo caráter golpista é inerente às Forças Armadas brasileiras, em particular o Exército. O último episódio desta triste tradição veio à lume há poucas semanas, quando uma varredura feita pela Polícia Federal no celular do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, escancarou a mais uma tentativa de golpe militar no Brasil. E não foram poucas ao longo da história. Desde 1823, quando D. Pedro I utilizou as forças castrenses para fechar a Assembleia Nacional Constituinte no evento conhecido como Noite da Agonia, militares atentam sistematicamente contra a ordem constituída, evidenciando forte descompromisso institucional com a legalidade democrática.

As conversas reveladas pelas investigações da Polícia Federal detalham uma trama golpista para derrubar o presidente Lula, suprimir prerrogativas do Poder Judiciário, limitar a liberdade de imprensa e nomear um interventor para o “reestabelecimento da ordem constitucional” [sic!]. Desvelada a arquitetura do golpe, o Exército tenta fazer crer que a intentona golpista foi um desvio de alguns de seus membros, como o general Édson Rosty, o coronel Jean Lawand Júnior, o tenente-coronel Marcelino Haddad, o major Fabiano Carvalho e o sargento Luís Marcos dos Reis, além, claro, do próprio Mauro Cid, o Cidão. Mas isso não é verdade.

Há muito militares brasileiros, Exército adiante, alimentam o imaginário de que são o “poder moderador” da República. À luz de interpretações transversas do mal redigido art. 142 da Constituição Federal, imposto aos legisladores constituintes como condição castrense para o reestabelecimento da democracia, e supostamente baseados em uma infundada superioridade moral e técnica, nossos militares, parteiros do golpe de Estado que depôs o Imperador D. Pedro II e implantou uma República sem povo, se outorgam a missão de tutores do país, se pondo no direito de nele intervir pretorianamente quando consideram necessário.

É bem verdade que, “no dia D, na hora H”, o Alto Comando do Exército rejeitou a trama golpista, consolidando um relativo afastamento do ex-presidente Bolsonaro e preservando o mínimo de decência esperado da cúpula militar do país. Entretanto, esse recuo tático, senão meramente operacional, não altera o sentido estratégico segundo o qual os militares acreditam possuir o supremo dever de tutelar o país, sempre que “os civis” não estiverem agindo à contento. Afinal, muitos deles acreditam que o poder civil é mera concessão do poder militar.

Se não fosse assim, os acampamentos golpistas não teriam sido protegidos e mesmo nutridos e estimulados por militares da ativa, inclusive por muitos dos comandantes dos quartéis em frente dos quais se instalaram. Em uma pátria sem inimigos externos, as Forças Armadas estão frequentemente voltadas para supostos “inimigos internos”, ou seja, para aqueles que divergem de seus ideais e de sua “visão de futuro”.

Basta! É chegada a hora de uma transformação profunda na organização militar brasileira, democratizando-a. Em primeiro lugar, sem prejuízo do binômio hierarquia e disciplina, cuja ruptura é sempre nefasta, como demonstra o caso russo, há que se atenuar o abismo financeiro, formacional e relacional que separa oficiais e praças, conferindo, aos segundos, dignidade funcional. Dentre outros aspectos, as diferenças entre os soldos de praças e oficiais devem ser redimensionadas, em favor das praças, que não podem mais serem tratadas como “vegetação rasteira”.

Em seguida, há que se abrir a caixa preta da vida institucional militar, desmontando sinecuras e cortando privilégios. Quartéis e congêneres, assim como a Justiça Militar e o próprio ministério da Justiça, historicamente aparelhado pelas Forças Armadas, devem pautar sua atuação pela ordem constitucional, estando submetidos aos poderes ou funções do Estado.

Igualmente, nossas forças militares devem ser despolitizadas, pois, como bem disse o coronel Lewand em uma de suas mensagens criminosas trocadas com Cidão, “o homem [Bolsonaro] tem que dar a ordem. Se a cúpula do EB [Exército Brasileiro] não está com ele, de Divisão pra baixo está”. Nada pode ser mais subversivo e corrosivo da disciplina militar do que uma trama urdida por militares da ativa, inclusive alocados em postos estratégicos na hierarquia militar. A frase de Lewand, axiomática, mostra que os militares estão aliados a uma visão político-ideológica singular, sectária, aceita como verdade, estando, portanto, apartados de seu papel como força de Estado, não de governo, voltada para a defesa da pátria. Por isso, as Forças Armadas devem contar com a fiscalização dos poderes constituídos, (re)estabelecendo a necessária subordinação dos militares ao poder civil.

Outra medida importante é a profissionalização das Forças Armadas. A conscrição obrigatória, a concentração de forças no eixo sul-sudeste, o ócio de boa parte do efetivo, dentre outros aspectos, expresso pelo chamado exército de massas, são incompatíveis com as exigências das novas realidades globais, que exigem forças armadas estrategicamente distribuídas pelo território nacional, sendo exaustivamente treinadas, culturalmente sofisticadas e tecnologicamente qualificadas para operar em cenários complexos.

Por fim, a formação militar, em particular dos oficiais, não pode ficar estritamente a cargo de militares, muitos dos quais verdadeiras viúvas do regime ditatorial iniciado em 1964. Formação é um processo educacional complexo que deve ser ministrado por professores civis, devidamente titulados, particularmente no campo da História, da Filosofia e das Ciências Sociais.

A limitação da formação humanista das escolas militares, em todos os níveis, somente concorre para a solidificação de recalques, preconceitos e factoides incompatíveis com as verdades históricas, embrutecendo o militar e limitando ao extremo sua visão da realidade. Educação é para educadores, sendo necessário educar para a cidadania e para o respeito à ordem constitucional. Só assim a pluralidade de visões e perspectivas existentes na vida militar poderá aflorar, permitindo adequar nossas Forças Armadas à realidade de um Brasil complexo, plural, democrático, capaz de superar seus inúmeros desafios sociais, econômicos, políticos e ambientais.




 







A notícia em Primeiro Lugar

Uma publicação do
Instituto Nonato Santos e
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