Aurélio Wander Bastos
Professor Titular Emérito da UniRio
Nesta madrugada de chuva me lembrei do drama de Sócrates (morte 399 a.C.), há cerca de 2500 anos quando se viu constrangido pelas autoridades de Atenas a não contrariar os deuses mediante uma eventual prisão. Numa virada inexplicável com relação a liberdade de consciência, abandonou o discurso crítico e preferiu o suicídio a desobedecer, evitando a execução do poder.
Mesmo que se não saiba que este foi um exemplo, depois do ultimato para calar-se. Immanuel Kant (1724-1804), há cerca a 400 anos, constrangido pelas autoridades Prussianas, em conflito com a França, mesmo tendo por J.J. Rousseau (1712-1798) grande admiração, a ponto de ter na sua casa uma reprodução escritor francês, revolucionou a teoria política moderna, na pacata cidade de Konigsberg, onde passou toda sua vida, tendo sido notificado pelo Rei da Prússia para evitar se pronunciar sobre as práticas religiosas resolveu calar- se e se submeter aos desígnios do Estado, resolveu afirmar que se "discuta o que quiser, mas obedeça".
Embora fosse um homem do iluminismo, comprometido com a liberdade, entendeu que a rebelião e o descumprimento das normas destroem a ordem legal, pois os governos podem ser criticados, mas nunca derrubados, exatamente diferenciando a liberdade individual da liberdade e política e sua consequente realização, nisso pensando como Hobbes (1588-1679), que entendia que é melhor um Estado ruim com leis ruins que nenhum Estado e nenhuma Lei. Estas observações podem caminhar na linha discursiva das diferenças entre a verdade e a mentira, um dilema que na virada dos anos 1550 não perturbava Maquiavel.
Para o patrono da ação política, e também pensador independente, a mentira integra as estratégias políticas como um instrumento indispensável para os príncipes; mas para Kant era absolutamente impossível mentir, mesmo que a verdade tenha que ser dita aos governantes que exageram nos limites de seu próprio poder, o aproximando do pensador conservador Hume (1711-1776) e o distanciando de Rousseau. Para Rousseau, consciência da dignidade não ensina calar-se, mas não se calar pode significar morrer.
Entre a mentira para alcançar objetivos de Estado o Príncipe pode mentir, mas o cidadão comum pode ter a sua mentira confundida com a desobediência com os efeitos negativos consequentes. O dilema que se coloca para Maquiavel (1468-1527) está na sua tradicional interpretação: a mentira como finalidade do governante pode ser um meio do para se alcançar seus fins, mas nunca a mentira pode, para Kant, a mentira é um meio, é um desconforto moral: a razão é o pressuposto da obediência, o que significa, como pretendeu Hans Kelsen (1881-1973), na sua formulação jurídica, para a realização do imperativo ético de Kant, que o proibido deve ser punido pelo Juiz, num tempo em que os meios processuais ainda estavam como uma incógnita.
Dilema difícil a que fui levado neste fim de madrugada e forte manhã de chuva aqui no Rio de Janeiro, o que nos aconselha, como me diziam meus pais, e da mesma forma o faço com meus filhos, não saia na chuva, para não se molhar, pois molhado não tem volta. O feito do destino (nem Deus) desfaz.
O que estes autores me lembraram, todavia, não explica as variáveis do silêncio, aliás, na prática de minha vida, na relação com os subordinados e os oprimidos, o silêncio é a regra, o que nos permite terminar como Kant: preserve a regra moral, pois a política não rende homenagens à moral. Pois assim tudo remanesce no quintal dos 79 anos do provincianismo de Konigsberg, da velha Prússia, sob o atual domínio russo de Kaliningrado. Está reversão do domínio urbano mostra que, no tempo histórico, a razão política não estava com o filósofo de Konigsberg, mas com o poder reversivo, senão da revolução, contra a ordem, com os vitoriosos da II Guerra Mundial, na demarcação de novas ordens