(22/01/2024)
Aurélio Wander Bastos.
Professor emérito da UNIRIO
O Brasil é um país de grandes problemas, mas também de grandes e nem sempre sentadas soluções. Neste contexto, está cada vez mais visível que um dos maiores problemas do Brasil e não de uma região ou cidade, é a crise do Centro das maiores capitais do país: São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Porto Alegre e Belo Horizonte.
Estas cidades, cada qual tem o seu perfil de crise, mas todas elas estão dominadas por uma única variável: a falência econômica do Centro das cidades, onde em passado recente dominava a pujança, a dinâmica da vida comercial e das atividades de serviço, quase todas elas prendadas por alguns dos polos culturais mais importantes do Brasil.
Recentes reportagens da imprensa sugerem um leque de alternativas vinculadas a iniciativas de natureza estatal ou com políticas de afastamento da pobreza ou da comelotagem. Alguns acham que se deve chamar a polícia, outros criticam o aumento da circulação de bebidas, sempre subsidiado pelas drogas, como especial forma de socorrer ou sufocar a tragédia instalada em cada avenida, em cada rua, em casa, esquina ou praça, as casas comerciais em locais de exibição artística, com efeito em muitos dos prédios comerciais.
Não é de todo impossível fazer o diagnóstico da crise: a modernização tecnológica que atropelou a vida econômica do Centro das cidades em plena pandemia, quando a população ativa recuou para a vida doméstica em busca da salvação. Todavia, os grandes grupos de inovação tecnológica viram no vazio urbano, intelectual e profissional a possibilidade de transformar uma expectativa de médio e longo prazo, de implementar, no curto prazo, as práticas de comunicação a distância através dos sistemas de computação, assim como num instinto de insegurança, impor as construções digitais através das novas tecnologias, implementando as redes sociais, os e-mails, os WhatsApps, os sites e todos os tantos e inúmeros incidentes da comunicação on-line.
Os edifícios funcionais públicos e privados se esvaziaram. As salas, conjuntos e unidades comerciais, culturais e até jurídicas, com o sistema eletrônico de acompanhamento se processos, se esvaziaram, os veículos de transporte diminuíram. No Rio, o paradigmático VLT perdeu seu encanto; tudo se desvalorizou. O que era vendável perdeu seu valor. Mas, dentre outros, dois ingredientes da vida econômica mantiveram - e em muitos casos elevaram - seus custos: os impostos públicos e as taxas de condomínio.
Este não é um fenômeno que está reduzido a uma ou outro Centro de grandes capitais, exatamente onde cruzam a cobrança de impostos e de condomínios. Neste caso, interessantemente, os imóveis tiveram seus valores sufocados mas os estados continuaram a cobrar seus impostos para manter o seu funcionamento, liquidando a vida econômica das empresas, profissionais liberais e comerciantes, ao mesmo tempo em que os titulares de imóveis desvalorizados mantiveram a política de cobranças de contribuições num absoluto disparate em relação ao valor decadente do imóvel. Como resultado, temos imóveis e ruas cada vez mais vazios, não raro ocupados pela marginalidade.
Em passado recente, não era impossível ler nos jornais estrangeiros sobre a pujança comercial e funcional de algumas das mais importantes avenidas brasileiras, situadas em capitais premiadas por monumentais e imponentes arquiteturas. Contudo, de repente, não mais que de repente, tudo resta inundado de avenidas e edifícios fantasmas.
Está leitura mostra que estamos diante de um problema complexo cruzado por variáveis distintas e controversas. Três delas são responsáveis pela tragédia dos tradicionais centros urbanos: o poder público, que não abre não de suas regalias tributárias; os proprietários de imóveis, que acomodam um vastíssimo sistema de escritórios e áreas de prestação de serviços; e finalmente os modernos empreendimentos que evoluíram com a quarta revolução tecnológica ou a primeira revolução digita, que já trabalha com os efeitos da inteligência artificial. Estamos diante de um dos maiores desafios da história contemporânea. As normas e as leis estão sendo provocadas pelos novos parâmetros de construção social: os "intraduzíveis" algoritmos, os reais construtores do novo mundo.