25/07/2024
Lier Pires Ferreira
PhD em Direito. Pesquisador do LEPDESP/UERJ e do NuBRICS/UFF.
No domingo, 21 de julho, tão logo soube da renúncia de Joe Biden à candidatura Democrata nas eleições de novembro, Trump afirmou que enfrentar Kamala Harris na corrida à Casa Branca será mais fácil do que confrontar o atual presidente. Será?
É notório que Trump transpira autoconfiança. Carismático e com forte presença midiática, ele é capaz de catalisar as atenções mesmo quando não está no centro dos debates. Ao declarar que será mais fácil vencer Harris do que Biden, Trump deslocou parte dos holofotes direcionados ao Partido Democrata, projetando-os sobre si mesmo.
Todavia, a declaração de Trump parece uma cortina de fumaça. Por quê? Primeiro, embora Biden tenha indicado Harris para sucedê-lo à presidência, até aquele momento os Democratas ainda não haviam batido o martelo quanto ao nome da atual vice-presidente. Segundo, embora verborrágico, Trump não apresentou sequer uma razão que fundamente a maior fragilidade de Harris em relação a Joe Biden. Isso é típico de quem está com medo.
Trump é o maior ícone da extrema-direita americana. Truculento, orgulhoso de sua branquitude e de sua masculinidade, ele transborda virulência. No último domingo, após desqualificar a candidatura de Kamala Harris, agrediu Biden, o acusando de corrupto, incapaz e mentiroso. Mas não ousou dizer nada sobre Harris. O motivo é óbvio: Kamala Harris o assusta.
Trump sabe que concorrer contra uma mulher bem-sucedida, será uma pedra em seu sapato. Aos 60 anos e muito charmosa, a Democrata tem uma carreira exitosa como advogada e uma sólida trajetória política como senadora pela Califórnia. Diante de uma mulher empoderada e muito mais jovem, Trump, 78, talvez venha a ter dificuldade em reafirmar que “mulheres devem ser julgadas pela aparência” ou que 35 anos é a “ idade perfeita [para a mulher] sair de cena”.
Outro ponto de fricção: Kamala é negra; Trump é racista. Contudo, é muito difícil que diante de Harris e dos olhares atentos do eleitorado, ele repita que “eles [os negros] estão a procura de problemas” ou reafirme que os eleitores negros estavam mais atraídos por ele após seus múltiplos indiciamentos por acusações criminais, sugerindo, com a leveza de um hipopótamo, que negros são mais susceptíveis que os brancos a cometer crimes. Racismo (explícito) tende a não render bons frutos eleitorais.
Por fim, Kamala é filha de imigrantes, com mãe indiana e pai jamaicano. Trump é manifestamente xenófobo, mas, mesmo com todo seu ódio aos imigrantes, é difícil imaginar que olhe para Harris em um debate público e repita que os imigrantes “vêm de prisões, vêm de instituições mentais e manicômios”. É certo que suas propostas clássicas serão ratificadas, como a necessidade de construir um muro anti-migratório na fronteira com o México ou a necessidade de expulsar 11 milhões de imigrantes. Mas será que terá peito para reafirmar que os imigrantes “não são humanos, são animais”. Difícil acreditar…
Não há dúvida de que Trump será compelido a moderar suas diatribes. Pelo menos será firmemente orientado a fazê-lo por sua assessoria. Afinal, embora não seja tão esclarecido quando se imagina, o eleitorado americano dificilmente irá tolerar ofensas e agressões públicas a uma mulher em rede nacional de rádio, TV e internet. Não, Trump não irá travar um debate civilizado com Harris ou com quem quer que a ele se oponha. Isso é contra a sua natureza. Mas é certo que Kamala Harris trará muitos desconfortos à Trump.
Binden era um adversário conhecido. Todos os seus pontos, fortes e fracos, estavam mapeados. Harris é uma desagradável novidade para o Republicano. Embora seja parte do “establishment” Democrata, não apontando para qualquer mudança significativa na política norte-americana, em especial na política externa, Harris é um risco que já não estava no radar Republicano. Perder para uma mulher, negra e filha de imigrantes será uma humilhação que Trump não irá suportar. Afinal, Trump tem medo de mulher.