Marcos de Oliveira Cavalcante
Desembargador aposentado do TRT/RJ
No Brasil pós-Michel Temer, as fronteiras ideológicas entre esquerda e direita tornaram-se cada vez mais fluidas, principalmente nos campos da economia e das políticas sociais. Durante o governo Temer (2016-2018), houve uma clara inflexão em direção a uma agenda liberal na economia, com medidas como a reforma trabalhista e a limitação de gastos públicos, consolidando a percepção de uma guinada à direita.
No entanto, essa separação clara entre as políticas de direita e esquerda começou a se diluir nos governos seguintes. Por exemplo, no governo Bolsonaro (2019-2022), apesar do discurso fortemente conservador, algumas políticas sociais tradicionais, como o Bolsa Família, não foram completamente abandonadas. Ao contrário, o governo investiu em programas assistenciais, como o Auxílio Emergencial, durante a pandemia de COVID-19, refletindo uma resposta pragmática que alinhava interesses de curto prazo com demandas populares.
No campo econômico, por outro lado, observou-se uma tentativa de manter uma agenda liberal, mas com frequentes interferências do Estado, especialmente na política de preços da Petrobras e em setores estratégicos. O que deveria ser uma continuidade de reformas de mercado e desregulamentação acabou esbarrando em práticas que se assemelham a intervenções mais típicas de governos com tendências progressistas.
Esse cenário revela o entrelaçamento de valores que outrora seriam claramente associados à esquerda ou à direita. Hoje, é comum observar atores de ambos os espectros defendendo medidas que mesclam liberalismo econômico com a necessidade de proteção social, dependendo do contexto e das demandas imediatas da sociedade.
Além disso, expressões como "comunismo" tornaram-se desatualizadas no discurso político moderno. Ao invés de refletirem debates atuais, esses termos acabam servindo mais para confundir e invocar ideias ultrapassadas, que não condizem com o cenário político-econômico brasileiro contemporâneo. O uso dessas categorias rígidas e anacrônicas desvia o foco do que realmente está em pauta: a complexidade do espectro da democracia social, que combina elementos de mercado e proteção social, transcendendo o que era anteriormente compreendido como uma dicotomia simples entre direita e esquerda.
Assim, as definições rígidas de direita e esquerda tornaram-se insuficientes para explicar o comportamento político e econômico no Brasil contemporâneo. As demandas populares e as crises recorrentes, como a pandemia e a recessão econômica, forçam tanto conservadores quanto progressistas a adotar soluções que transcendem as ideologias tradicionais.